Imunidade é um dos temas mais discutidos no atual cenário de pandemia de Covid-19, doença respiratória causada pelo temido coronavírus. É muito importante entendermos como os mecanismos fisiológicos do nosso organismo são capazes de fortalecer o sistema imune frente a determinados comportamentos diários, como a prática de exercícios físicos regulares, uma alimentação balanceada e suplementação, quando necessário.
Exercício físico e imunidade
No campo científico, já se tem evidências correlacionando a prática de exercício físico com a melhora da imunidade. Um trabalho do Departamento de Saúde e Performance Humana da Universidade de Houston, no Texas, fez uma revisão de diversos estudos mostrando que exercícios físicos de intensidade leve a moderada podem ser benéficos ao sistema imune, enquanto exercícios prolongados e de alta intensidade podem deprimir a imunidade. Portanto, é importante diferenciar o impacto de um exercício moderado ao de um exercício muito intenso, a exemplo dos treinos de atletas de alto rendimento.
O exercício regular de intensidade moderada tem sido associado a:
- Potencialização das respostas vacinais (os títulos de anticorpos às cepas H1N1 e H3N2 do vírus influenza A aumentaram em idosos imunizados com uma vacina trivalente contra influenza após 10 meses de intervenção aeróbica em treinamento físico);
- Renovação de células T esgotadas/antigas com aumento da proliferação de novas células T (são células do sistema imunológico responsáveis pela defesa do organismo contra agentes desconhecidos);
- Níveis mais baixos de citocinas inflamatórias (são um extenso grupo de moléculas envolvidas na emissão de sinais entre as células durante o desencadeamento das respostas imunes);
- Aumento da atividade fagocitária dos neutrófilos (é um dos principais mecanismos usados no sistema imune para remover patógenos e restos celulares);
- Maior atividade citotóxica das células NK (são células exterminadoras naturais que têm um papel importante no combate a infecções virais e células tumorais);
- Aumento da produção de Interleucina 2 (Citocinas são moléculas proteicas que enviam diversos sinais estimulantes, modulatórios ou mesmo inibitórios para as diferentes células do sistema imunológico. A Interleucina 2 ativa a proliferação e ativação de células imunes, principalmente a célula ou linfócito T).
Esses mecanismos, potencializados pelo exercício físico de moderada intensidade, indicam que são capazes de melhorar ou pelo menos manter a imunidade ao longo da vida.
Já em relação aos exercícios de alta intensidade, a recuperação pós-exercício é um período de acentuada alteração nas proporções de circulação imune, com várias populações de células imunes diminuindo para abaixo dos níveis pré-exercício. Além disso, as funções de muitos desses tipos de células imunes também são alteradas após o exercício. Essas alterações levaram à ideia de que esse período de recuperação de exercícios intensos apresenta uma janela de oportunidade para agentes infecciosos, embora dados epidemiológicos convincentes para isso estejam em falta.
Percebe-se que neste período dramático que estamos vivendo que, na tentativa de manter a função imunológica na sua melhor potência, é preferível a escolha de exercícios com moderada intensidade e dependerá do seu atual condicionamento físico, ou seja, a intensidade do exercício físico é subjetiva.
A Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) recomenda e apoia a prática de exercícios físicos, inclusive durante o atual período de distanciamento social:
- O exercício físico regular é um grande reforço para a sua imunidade. Pessoas ativas fisicamente têm menor chance de apresentar doenças como diabetes, obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares e outras patologias crônico-degenerativas que levam portadores a serem considerados de maior risco para infecção pelo novo coronavírus;
- Use a esteira, bicicleta, rolo de bike ou dance sozinho ou com a família;
- Use seu próprio corpo com elásticos, halteres – ou garrafas pet com areia ou água, ou ainda sacos de arroz ou feijão;
- A prática de exercícios ao ar livre tem que respeitar as recomendações dos órgãos de saúde e manter a distância social.
Vitaminas e imunidade
A Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN) elencou vitaminas e minerais com atuação de maior relevância no cenário da síndrome respiratória aguda grave causada pelo Covid-19 (SARS-CoV-2), enfatizando que nenhum desses nutrientes tratam diretamente a infecção pelo Covid-19, mas podem auxiliar. Dentre eles, destacaremos a vitamina C, baseados em evidências científicas.
Vitamina C
A vitamina C é um nutriente essencial que não pode ser sintetizado pelo homem e a sua ingestão recomendada é cem vezes maior que a de muitas outras vitaminas. Uma dieta que fornece 100-200 mg/dia de vitamina C está adequada para saturar as concentrações plasmáticas em indivíduos saudáveis e deve cobrir os requisitos gerais para a redução do risco de doença crônica. Devido à baixa capacidade de armazenamento do corpo para a vitamina hidrossolúvel, é necessária uma ingestão regular e adequada para evitar a hipovitaminose C.
Em relação à imunidade, a vitamina C parece exercer uma infinidade de efeitos benéficos nas funções celulares do sistema imunológico. É um potente antioxidante que protege o corpo contra desafios oxidativos endógenos e exógenos e é provável que sua ação como cofator para inúmeras enzimas biossintéticas e reguladoras de genes tenha um papel fundamental em seus efeitos de modulação imunológica. A vitamina C:
- Estimula a migração de neutrófilos para o local da infecção;
- Melhora a fagocitose e a geração de oxidantes e a morte microbiana;
- Protege o tecido hospedeiro de danos excessivos.
A vitamina C também pode funcionar como um agente anti-histamínico fraco para aliviar os sintomas semelhantes aos da gripe, como espirros, corrimento nasal ou nariz entupido e seios inchados. A histamina é um mediador imune produzido por basófilos, eosinófilos e mastócitos durante a resposta imune a patógenos e estresse. A histamina estimula a vasodilatação e o aumento da permeabilidade capilar, resultando nos sintomas alérgicos clássicos de coriza e dos olhos. Estudos usando modelo animal indicaram que a depleção de vitamina C está associada a níveis aumentados de histamina circulante e que a suplementação dos animais com vitamina C resultou em níveis reduzidos de histamina.
Três ensaios clínicos controlados em humanos relataram que havia uma incidência significativamente menor de pneumonia nos grupos suplementados com vitamina C, sugerindo que a vitamina C pode impedir a suscetibilidade a infecções do trato respiratório inferiores sob certas condições. Foi relatado que o coronavírus causa infecção do trato respiratório inferior, portanto a vitamina C poderia ser uma das escolhas efetivas para ser coadjuvante do tratamento do Covid‐19.
A vitamina C parece ser capaz de prevenir e tratar infecções respiratórias e sistêmicas, melhorando várias funções das células imunes. A prevenção profilática da infecção requer ingestão dietética de vitamina C que forneça pelo menos níveis plasmáticos adequados, se não saturados (ou seja, 100-200 mg/dia), que otimizam os níveis de células e tecidos. Em contraste, o tratamento de infecções estabelecidas requer doses significativamente mais altas (gramas) da vitamina para compensar o aumento da demanda metabólica.
Estudos epidemiológicos indicam que a hipovitaminose C ainda é relativamente comum nas populações ocidentais e os motivos incluem ingestão reduzida combinada com reservas limitadas de corpos. Necessidades crescentes ocorrem devido a poluição e tabagismo, combate a infecções e doenças com componentes oxidativos e inflamatórios como, por exemplo, diabetes tipo 2. Garantir a ingestão adequada de vitamina C por meio da dieta ou via suplementação, especialmente em grupos como idosos e indivíduos expostos a fatores de risco para insuficiência de vitamina C, é necessário para a função imunológica adequada e resistência a infecções.
Dentre os alimentos ricos em vitamina C, destacam-se:
- Suco de laranja fresco;
- Mamão papaya;
- Morango;
- Kiwi;
- Suco de tomate;
- Acerola;
- Manga.
Vale ressaltar que, apesar de promissores, nenhum desses suplementos pode impedir a proliferação/infecção pelo coronavírus. Além disso, deve-se evitar a auto-suplementação e realizar acompanhamento médico regular.
Autor: Guilherme Renke – Endocrinologista Titular da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e Médico do Esporte Titular da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte
Fonte: GloboEsporte.com – Eu Atleta (https://globoesporte.globo.com/eu-atleta/)